terça-feira, 16 de junho de 2009

O AMOR FAGULHA O DESDÉM

Joaquim Moncks

Não me sussurrava o silêncio
há tanto tempo
que esquecera a sua voz.

Despido, o poema sem sono
vem à cuca.
É líquido o prisma dos olhos.
A solidão rutila esmeraldas e rubis.

Geme em silêncio
a desesperada voz dos aflitos.

O violão sola o canto de mágoas.
A emoção voeja no anjo
de asa quebrada.

E nos telhados,
feito um gato soturno,
o amor fagulha o desdém.

– Do livro BULA DE REMÉDIO, 2004/2009.
http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/1650838
O SUICIDA

Joaquim Moncks

Os loucos surtam
soltos
de suas camisas de força.
Somente o vinho, túrgido de aromas,
desce sem detença.
Tudo é irreversível na loucura.

Há um fio de fel
no eixo das lembranças.
A solidão chega: é o pássaro
que se estatela no vidro da janela.
Flores no jardim abaixo
confidenciam
a incompetência no vôo.

Uma rosa vermelha
de pescoço longo
olha pra cima e acompanha
o mergulho do suicida.
Na calçada o corpo geme
desnudo de esperanças.

O dia arruma a cabeleira do sol.

– Do livro BULA DE REMÉDIO, 2004/2009.
http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/1652087
ARPEJOS SEM PERSPECTIVA

Joaquim Moncks

Minha fúria de mudar o mundo
tem por baixo um boneco desanimado.
Aos mais de sessenta,
sou um maiacovski sem forças.
Tentei o novo.
Surgiu-se-me o fantasma do Real.

Este mundo de bens de consumo
é a farsa do milênio terceiro.
Mais enricada do que nunca
a criatura humana empobreceu-se
de valores.
Bato à porta do futuro:
meus neurônios alertam
para o visto e o revisto.

Tinge-se de sangue a janela da esperança.
Mais que nunca
como apontou Charles Baudelaire
a trepada é o lirismo do povo.

A rigor, neste tempo de asperezas
pega-se o automóvel e se passa por cima
do mendigo da esquina.
O braço que estende a mão ao óbolo
duplica-se, triplica-se, multiplica-se.
A fome vai além do gesto.

– Do livro BULA DE REMÉDIO, 2004/2009.
http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/1648362