quarta-feira, 25 de novembro de 2009

QUASE NATAL SÉCULO XXI

Joaquim Moncks

O poema nasce matutino,

com sono, tirando remela dos olhos.

Penteia cabelos, escova dentes.

Há um ázimo pão no céu da boca.

O espelho denuncia a aurora glacial

das incompreensões.

O sal do choro

crivou a lágrima amanhecida

de explicações e lamúrias.

Amores fartos, ágeis de memórias,

nunca são lúcidos à hora da posse.

Jesus Cristinho amado,

deixai que cantemos desamores.

O coração está pleno como dantes

e a órbita do mundo soluça

jingle bells como um terçol.

Bom-dia, Dona Paciência,

locupletem-se os pendores!

É inventário dos que amam.

– Do livro BULA DE REMÉDIO, 2005/2009.

http://recantodasletras.uol.com.br/natal/1349556

domingo, 20 de setembro de 2009

CARRETAS

Joaquim Moncks

Carretas, rondas do tempo

maniáticas de sóis e lunaréus.

Carregam estafas e andanças
e em mim a outrora criança:
ressoam cirandas e danças
e o gemido de liberdade
ecoa nas veredas da serra.

Nave do nauta telúrico,
rancho sobre duas luas,
gêmea de pampas, estrelas e léus,
roçando várzeas, lançantes,
traçando esta cíclica gesta
de esperanças, trabalho e terra.

Nas lonjuras dos caminhos,
sofrendo encruzilhadas e escarcéus,
arremataste ao gaúcho
verdades abertas no céu.

– Do livro DE QUANDO O CORAÇÃO ABRE A CORDEONA, 1978/2009.
http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/35924

CARRETA DE INOCÊNCIAS


Joaquim Moncks

O canto de meus amores
é uma carreta perdida.
Cada eixo de ilusões
cochicha a canção ao vento.

Geme a garganta dos sonhos
e é um sussurro de estrelas
gemendo na boca do Cristo
– sua coroa de espinhos.

Toda a vez, meus irmãos,
em que a carreta dos ventos
chora o cio dos amores,
delato a santa inocência.

Há um sorriso futuro
que se perdeu num lançante
e num lampejo insolente,
frustrou-se a coruja do brete.

Ainda hoje os amores
são perdidos espíritos.
S’esconde no final do mate
a seiva da liberdade.

Esta canção resistente
é a que me faz sentir vivo.
É o olho do tempo rodando
n’alguma esquecida quimera.

Sempre que olho o horizonte
range o rancho sobre duas luas
e na picanha do boi Suspiro
sangra o aguilhão da saudade.

– Do livro DE QUANDO O CORAÇÃO ABRE A CORDEONA, 1978/2009.
http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/847638

LAMPEJOS DE PRIMAVERA

Joaquim Moncks

Aqui, na foz do Rio Mampituba, novo dia bonito, sem vento, com o mar sonolento. A aldeia ressona recolhida aos lençóis.

De quando em vez, a massa líquida se espreguiça e se retorce feito uma imensa lagartixa. Lânguida e esquiva.

A refração do sol cria um lençol de brilhos. Ainda ressonariam ali dorminhocas estrelas?

Algumas tainhas rebrilham o lombo à luz multicor. Parecem borboletas sobre um lençol tinto de liquens.

As retinas, extasiadas, bebem o espetáculo.

– Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008/2009.
http://recantodasletras.uol.com.br/prosapoetica/1773478

terça-feira, 21 de julho de 2009

BRINDE

Joaquim Moncks

O encontro foi tão casual quanto agulha e linha, achadas a esmo. Os desenhos sobre a renda ficaram por conta do champanha, dos lençóis e o aprender juntos. Justamente quando nem mais havia bordados sobre o único travesseiro. E o brinde se fez ao instante, que fugara sem deixar pistas.

– Do livro BULA DE REMÉDIO, 2007/2009.
http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/757290

A OSTRA

Joaquim Moncks

Entre tapas e beijos

corre a vida,

lúcida.

A água mansa

acaricia os seios,

quase túmidos.

E na ostra maternal,

quase túrgida,

o imprevisto dorme:

homem e menino.

Do livro BULA DE REMÉDIO, 2008/2009.

http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/976471

ALEGRIA E SUA REALEZA

Joaquim Moncks

Alegria:

esta é a harpa lúdica da alma.

Toca às gargalhadas

frente a tudo o que vê.

Há muitos súditos adultos

que não compreendem

a sua pureza.

– Do livro BULA DE REMÉDIO, 2007/2009.

http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/610435

A CABEÇA MAL DORMIDA

Joaquim Moncks

Silhuetas de casais através dos vidros

escancaram sombras

nas paredes do bar...

O real da ausência,

e a porta do boteco,

doida sobre os batentes,

a cada vulto que espreita,

fustigado pelo fog da invernia.

O insone mergulho na imagem

da amada

faz o sangue da uva tão precioso.

Cachos de sol na calçada, o dia moreno.

Na boca o sal ardente.

Somente o áspero cabernet sauvignon...

A cabeça mal dormida

e, agridoce,

a esperança indormida,

na memória da língua...

– Do livro BULA DE REMÉDIO, 2008/2009.

http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/1037136

SÍLABA DA CONFISSÃO

Joaquim Moncks


E como não ser grato àqueles

que por vezes várias,

confusos,

aturam o choramingar

inquieto, soluçante?


Existe algo mais puro

no ser humano

que o seu coração alado?


E a Poesia

não é esta voz cruciante

que nos delata

na alquebrada

sílaba da confissão?


Do livro BULA DE REMÉDIO, 2005/2009.

http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/44844


terça-feira, 16 de junho de 2009

O AMOR FAGULHA O DESDÉM

Joaquim Moncks

Não me sussurrava o silêncio
há tanto tempo
que esquecera a sua voz.

Despido, o poema sem sono
vem à cuca.
É líquido o prisma dos olhos.
A solidão rutila esmeraldas e rubis.

Geme em silêncio
a desesperada voz dos aflitos.

O violão sola o canto de mágoas.
A emoção voeja no anjo
de asa quebrada.

E nos telhados,
feito um gato soturno,
o amor fagulha o desdém.

– Do livro BULA DE REMÉDIO, 2004/2009.
http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/1650838
O SUICIDA

Joaquim Moncks

Os loucos surtam
soltos
de suas camisas de força.
Somente o vinho, túrgido de aromas,
desce sem detença.
Tudo é irreversível na loucura.

Há um fio de fel
no eixo das lembranças.
A solidão chega: é o pássaro
que se estatela no vidro da janela.
Flores no jardim abaixo
confidenciam
a incompetência no vôo.

Uma rosa vermelha
de pescoço longo
olha pra cima e acompanha
o mergulho do suicida.
Na calçada o corpo geme
desnudo de esperanças.

O dia arruma a cabeleira do sol.

– Do livro BULA DE REMÉDIO, 2004/2009.
http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/1652087
ARPEJOS SEM PERSPECTIVA

Joaquim Moncks

Minha fúria de mudar o mundo
tem por baixo um boneco desanimado.
Aos mais de sessenta,
sou um maiacovski sem forças.
Tentei o novo.
Surgiu-se-me o fantasma do Real.

Este mundo de bens de consumo
é a farsa do milênio terceiro.
Mais enricada do que nunca
a criatura humana empobreceu-se
de valores.
Bato à porta do futuro:
meus neurônios alertam
para o visto e o revisto.

Tinge-se de sangue a janela da esperança.
Mais que nunca
como apontou Charles Baudelaire
a trepada é o lirismo do povo.

A rigor, neste tempo de asperezas
pega-se o automóvel e se passa por cima
do mendigo da esquina.
O braço que estende a mão ao óbolo
duplica-se, triplica-se, multiplica-se.
A fome vai além do gesto.

– Do livro BULA DE REMÉDIO, 2004/2009.
http://recantodasletras.uol.com.br/poesias/1648362