terça-feira, 8 de novembro de 2011

A PALAVRA COMO PROPOSTA

Joaquim Moncks

Recebo o escrito abaixo, com a bonomia da autora e o pedido de análise. Vamos lá. Comecemos pela escansão dos versos:

“O IPÊ ROSA

A/bre/-se o/ di/a/, ma/dru/ga/da/fria / 10
Da/ mi/nha/ já/ne/la a/d/mi/ro a es/tu/pen... da / 10
O/bra/ que a/ na/tu/re/za o/fe/re/cia: / 10
A/ flo/ra/da/ do i/pê/ co/mo u/ma pren... da. / 10

Bu/quês/ ro/sa/dos/ ex/plo/din/do eu/ via / 10
Bri/lhan/do,/ que or/na/vam/ a ar/vo/re/ de/ ren... da. / 10
Tão/ be/los/ que o/ pre/to/ ga/lho es/con/dia. / 10
São/ tan/tas/ flo/res/ vi/bran/do em/ o/fe/ren... da! / 11

Nos/ o/lhos/ bri/lha a/ luz/ en/can/ta/do...ra! / 10
Pá/ssa/ros/ fe/li/zes/ em/ re/vo/a... das... / 10
Na/ do/ce/ bri/sa/ das/ ma/nhãs/ a/fo... ra... /10

Mi/nha/ be/la ár/vo/re, ho/je es/ta/ ro/sa... da... / 10
Com/ flo/res,/ que a/ma/nhã/ se/rão/ pi/sa... das /10
Pra’/ quem/ tal/vez,/ nem/ te/ viu,/ na/ cal/ça... da. / 10

Elisa Alderani, via e-mail, em 24/10/2011.”.

Poetamiga! Trata-se de um bom exemplar em forma fixa, porém nada em especial ou originalidade a olhos vistos. Um SONETO bem exposto, o formato tradicional dos quatorze versos, desde a sua fixação, aos tempos de Petrarca. Vão lá mais de setecentos anos. Ainda sem o estrambote acrescido por Shakespeare e outros, que tornou diferenciado o modelo e foi escassamente usado. Pela escansão (anotações acima), constata-se uma imperfeição de silabação fônica no quarto verso do segundo terceto. É o que chamamos “verso do pé quebrado”... O conteúdo é escorreito para a proposta sugerida no título da peça. Conta a historieta de uma árvore plena de beleza ao tempo da floração. Trata-se, em verdade, de uma croniqueta (crônica breve) escrita em versos, como era de costume na velha escola clássica, já de há muito sucedida pelo modernismo, expressão formal da contemporaneidade, conformado no POEMA. Este, nos dias atuais, é o fruto materializado e predominante na Poesia da contemporaneidade... Aqui, retomada a linguagem do início dos anos XX, no Brasil, e as experiências de formato e proposta lírica, pouco sobra para o receptor em termos de SUGESTIONALIDADE e TRANSCENDÊNCIA, que são características da boa poesia de todos os tempos, em qualquer forma, formato ou corrente. Veja-se que a autora optou pelo comparativo (no quarto verso do primeiro quarteto), em oposição ao comparativo abreviado a que chamamos METÁFORA, que é o mais usual tropo ou figura de linguagem. Sem estas, não há a falar em Poesia como gênero literário. São versos – sim – mas, ao rigor metodológico, ausente está a Poesia como expressão de beleza estética. No texto, apresentado em versos, há rarefeita Poesia como expressão lingüística em sentido CONOTATIVO. Note-se que toda a exposição verbal é em sentido DENOTATIVO, ausente o mergulho (verticalidade da Poesia) em profundidade do ser e proposta de reflexão. Resta aparente o feeling (o sentir do eu poético) do autor frente ao objeto de seu foco sensitivo. O que sobra é a construção versificada, sem pretensão de transfiguração da matéria da vida. Até porque a Poesia não se destina a agir diretamente no plano da realidade. A obra ora sub examine está prenhe de doçura, e isso a faz parecer Poesia... O sentir feminino – mais do que o masculino – tem esse condão: o possesso dulçurismo... Faço a presente avaliação crítica como peça autônoma – no gênero Poesia – em termos de teoria literária e experiência pessoal. Sei que este soneto foi premiado em concurso literário, o que por certo, lhe deu alce e preferência, tendo em vista o conjunto poético apresentado à comissão avaliadora de tal certame. Textos vários e avaliadores que não sei quem são e nem cogito os seus patamares de experimentação. Para sua especificidade e azo, a obra “O IPÊ ROSA” cumpriu finalidade como peça estética, tanto é que restou premiada em primeiro lugar.Congratulações à autora, e que o estro de sua lavra lhe possa premiar muitas outras vezes, em concurso ou não; eis que o maior prêmio – ao meu inferior modo de ver – é a confraternidade da linguagem universal que o poema contém como palavra e traduz como proposta. Parabéns! E que venham muitos poemas... Com o apreço do poetinha JM.

– Do livro SORTILÉGIOS, 2011.
http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/3295597

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